segunda-feira, 12 de março de 2012

Roberto Saviano desabafa que sente a constante sensação de estar morto pela metade

Nesta entrevista publicada pelo jornal português Diário de Notícias, Roberto Saviano, fala sobre a forma como vive depois da públicação do livro. Ele conta que a sua prioridade era contar a vida e, sobretudo, ter uma vida. Tirando as conferências que dou, tudo me parece sempre o mesmo dia. Eis a entrevista:


No livro mostra como os grupos criminais se cruzam com a vida de todos, não apenas em Itália mas também no resto da Europa. Portugal é também uma porta de entrada para o narcotráfico?

Não possuo muitos elementos mas Portugal já foi um território aficcionado dos mafiosos e creio que pode voltar a ser. Lembro o assassinato, nos anos 80, de um chefe mafioso em Cascais, para onde se tinha retirado, assim como a prisão de Emílio Iovine, apanhado cá e ligado a actividades das máfias italianas, que branqueavam aqui dinheiro. Toda a droga que passa por Portugal e Espanha, muito provavelmente foi comprada por cartéis de droga italianos. Não sou especialista em crime português, até porque nos relatórios que li não se fala muito sobre Portugal. Li sobre alguma facilidade no trânsito nos portos portugueses por não ser um país muito atingido pelo terrorismo.

Espanha está mais susceptível?
A vizinha Espanha tornou toda a península Ibérica numa espécie de paraíso para os investimentos. Mas aqui os mafiosos não derramam sangue e os Governos ficam muito distraídos relativamente a estes problemas. Espanha é uma espécie de el dorado onde é fácil branquear dinheiro, esconder-se. Estamos muito longe de resolver este problema na Europa, não há uma associação anti-máfia comum.


Actuam na aparente legalidade?
Os EUA já perceberam que a máfia é um problema europeu. A atenção que se presta ao terrorismo islâmico distrai de outros problemas. No dia a seguir ao atentado às Torres Gémeas houve uma escuta perto de Nápoles que apanhou uma conversa entre membros de uma família muito poderosa. Diziam: "Viste o que se 'libertou' na baixa de Nova Iorque?" Eles falavam de uma enorme quantidade de espaço para apartamentos. "Temos que ir para lá, participar na reconstrução com os nossos investimentos", diziam. A máfia é muito mais rápida na gestão burocrática do dinheiro. Quando houver uma retoma económica, os capitais do narcotráfico vão determinar a política financeira dos bancos. Esta vai ser controlada e dirigida pelos cartéis do tráfico.

De que forma se desdobra actualmente o crime organizado?
Hoje existem dois mercados de referência no mundo: o petróleo e a cocaína. Quase todo o mercado de cocaína é branqueado em imobiliária, transportes... Os milhares de operações que se fazem para branquear este dinheiro são impossíveis de reconstituir, as próprias máfias não o conseguem.

Como é o seu dia-a-dia? Como vive uma pessoa que fez da sua arma a palavra e esta, ao mesmo tempo, é o seu pesadelo?
Uma situação destas influencia totalmente a tua vida. Não vivo com medo, porque convivo tanto com esta situação que o medo passa a segundo plano. Não é um acto de coragem, nem é ser temerário, é apenas um acto de distracção. Vivo com uma escolta blindada de cinco homens e o quotidiano é muito pesado, porque quase não vejo pessoas. Há a constante sensação de viver pela metade, ou de estar morto pela metade.


O que sente relativamente ao seu livro?
Por um lado, sinto uma grande satisfação por tê-lo escrito, por outro odeio-o porque me obrigou a viver uma vida que é muito difícil. A minha prioridade era contar a vida e, sobretudo, ter uma vida. Tirando as conferências que dou, tudo me parece sempre o mesmo dia.

Arrepende-se de tê-lo escrito?
Não, não me arrependo mas já o amaldiçoei muitas vezes. Voltaria a escrevê-lo, apesar de dizer o contrário quando estou mais desencorajado.

Do que é que tem medo?
Do isolamento, tenho muito medo da falta de credibilidade que tem sido alvo de muitos ataques.

Como vê o seu futuro?
Não sei sequer se tenho futuro nem qual será. Sonho em transferir-me de Itália, ir para um país estrangeiro onde possa continuar a escrever. Vou tentar ir para um país onde possa caminhar, andar livremente.

Pensas que chegará o dia em que te dirão que estás livre, que não és mais perseguido?
Um dia encontrei Salman Rushdie em Nova Iorque, que me disse que eu tinha dois caminhos a seguir, tal como ele fez: "Festas e mulheres". Ele queria dizer "curte a vida, sonha com uma felicidade que vai para além desta condenação". E eu espero conseguir.
Declarações produzidas em conferência de imprensa e nas respostas às perguntas do público do simpósio

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