segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Incêndio mata cinco crianças no Hoji-Ya-Henda

Cinco crianças com idades compreendidas entre os dois e os 13 anos morreram devido aos graves ferimentos causados por um incêndio ocorrido às 22 horas do passado dia 14 deste mês, no bairro Hoji-Ya-Henda, no município do Cazenga.
As vítimas são Joelson João da Costa, 6 anos, Natalício João Pedro, 2 anos, (irmãos), Vitória Adão Bessa, 10 anos, Amélia Patrícia Pedro, 12 anos, (primas) e Artur João Pedro, vulgo, Guigui, de 13 anos (tio dos quatro).
Os rapazes partilhavam o quarto de uma casa de um piso construída na época colonial, nas proximidades do Cine África, que ardeu.
O fogo foi originado por uma vela acesa por um familiar que estava a revisar a matéria escolar quando a EDEL cortou a energia no seu bairro e que entretanto pereceu também na tragédia.
“Foi por volta das 20 horas quando eles foram dormir, mas como a minha sobrinha tinha uma prova marcada e a EDEL cortou a energia no momento em que ela mais precisava, viu-se obrigada a recorrer à luz da vela, só que aconteceu essa desgraça”, contou o tio das vítimas, Francisco Artur.
Explicou que esta informação foi lhe prestada inicialmente pelo seu sobrinho, identificado por Guigui, que ainda estava acordado no momento em que a prima acendeu a vela.
Os familiares entraram em pânico quando se aperceberam que o quarto estava em chamas e gritaram pedindo ajuda aos vizinhos que não ouviram devido à música alta que saia do Cine, onde decorria uma actividade músico cultural.
“Os moradores desta zona já não prestam muita atenção ao barulho que vem do exterior das suas residências, porque acreditam que todo o som proveniente da rua deriva dos espectáculos realizados no Cine. Neste dia, as coisas não foram diferentes”, especificou Francisco Artur.
A primeira pessoa que ouviu o clamor das crianças foi a avó que pernoitava no quarto ao lado, e que não hesitou em tentar socorrê-las. Ao abrir a porta foi surpreendida pela pressão das chamas que a empurraram para trás.
Segundo o nosso interlocutor, a anciã caiu, desmaiou e só despertou quando estava a ser levada para o hospital. Sofreu algumas queimaduras ligeiras.
Depois de se aperceberem que o único indivíduo que podia salvá-los não estava em condições de o fazer, as crianças refugiaram-se na varanda do quarto e continuaram a pedir ajuda.
Mas o fogo alastrou-se até à varanda, obrigando os meninos a pendurarem se nas grades ao mesmo tempo que continuavam a gritar por socorro.
Os familiares só se aperceberam do que se passava graças ao pedido de ajuda endereçado ao senhor Artur João Pedro, pai da malograda Amélia.
“A minha cunhada ouviu uma das crianças a gritar: socorro Artur, socorro.
Vamos morrer. E alertou o seu esposo do que se passava”, contou o nosso interlocutor.
Ao aperceber-se do que se passava, o pai da Amélia subiu pelas paredes para tentar retirar as crianças mas enfrentou inúmeras dificuldades por causa dos gradeamentos existentes na casa. Enquanto isso, os vizinhos tentavam, sem êxito, ligar para os Bombeiros, para a Polícia e para os Serviços de Emergência para pedirem ajuda.
“Ligamos para estes organismos a solicitar que viessem com os seus equipamentos para arrombarem os ferros, mas não apareceram. A senhora do 113 pediu que aguardássemos, porque encaminharia a nossa petição para a esquadra mais próxima. O que não terá acontecido porque não apareceu ninguém”, garantiu o familiar.

As mortes
Para retirar as crianças, Artur João Pedro, pai da malograda Amélia Patrícia Pedro, rompeu as janelas superiores da casa que funcionavam como respirador, passou pelo fogo e transportou-as para um lugar seguro.
Uma viatura particular levou os meninos para o Hospital Neves Bendinha (HNB). O corajoso familiar sofreu queimaduras do Iº grau.
O nosso interlocutor contou que, após terem sido retirados do quarto, o malogrado Guigi foi à residência de um amigo pedir ajuda, onde depois foram buscá-lo para o encaminharem ao hospital.
“Ficamos admirados com a forma como ele agiu. A única coisa que passou pela cabeça dele, após sair da zona de perigo, foi ir a correr para a casa deste seu amigo pedir ajuda”, lembrou emocionado Francisco Artur.
Entre os cincos pacientes, os irmãos Joelson João da Costa e Natalício João Pedro foram os primeiros a não resistirem às queimaduras e acabaram por sucumbir nas primeiras horas de segunda-feira, 16. Após realizarem o seu funeral na quarta-feira, 18, os familiares foram informados que a pequena Amélia Patrícia Pedro também tinha acabado de falecer.
Um dia depois do funeral de Amélia, a senhora Isabel Adão António deslocou-se ao HNB para se inteirar do estado de saúde da sua filha Vitória Adão Bessa. No local, foi informada que a sua filha não resistira às queimaduras do IIIº grau.
O adolescente Guigui foi o único dos sobreviventes que estava a recuperar gradualmente. Francisco Artur visitou-o horas antes do velório da pequena Vitória, em companhia da sua irmã, a mãe da vítima. Constataram que aparentava sinais de melhoria.
“Não sei como descrever essa morte porque na quinta-feira conseguimos falar com ele. Questionei-o ainda sobre se reconhecia quem estava à sua frente e ele mencionou os nossos nomes”, contou o tio, que usava óculos escuros para esconder as lágrimas que teimavam em cair. Para mostrar aos seus visitantes que estava a melhorar, Gugui recebeu-os de pé, olhou, segundo o nosso interlocutor, fixamente para a sua progenitora e disse-lhe que a amava muito.
“Ele disse literalmente o seguinte: és tão querida e te amo muito mamã. Isso é o que mais nos surpreende porque ninguém imaginava que estava a se despedir”, lembrou o tio. Depois de sair do hospital, Francisco Artur deslocou-se à casa mortuária para agilizarem o funeral. Ao retirar o cadáver da menina da gaveta da morgue recebeu por telemóvel a informação de que não devia aguardar, porque o seu sobrinho Guigui também acabara de falecer e, possivelmente, seriam enterrados juntos.
No sábado, 21, a equipa de reportagem do Tribuna da Kianda deslocou-se ao local e encontrou os familiares e amigos quando saíam do funeral das duas últimas vítimas. No único compartimento da casa devorada pelas chamas, encontravam-se espalhados no meio dos escombros folhas de cadernos e de um livro de língua portuguesa da 5ª classe.

Cuidados médicos em causa
Francisco Artur acusa a equipa médica que estava de serviço naquele dia de ter sido negligente, por não medicar imediatamente os seus familiares: “É bom que se diga isso para ver se mudamos alguma coisa neste país. Houve um certo desleixo por parte dos técnicos de saúde desse hospital, porque quando chegamos não havia nenhum médico de serviço. Só enfermeiros”, frisou.
Segundo ele, os seus ente-queridos morreram porque só foram consultados por um médico, cujo nome não conseguiu dizer, às 10horas da manhã do dia seguinte: “Acho que isso é extremamente grave por se tratar do banco de urgência do único hospital especializado em queimaduras do país. Temos que parar de dizer que está tudo bem, enquanto existem algumas coisas que estão muito mal”, comentou Francisco Artur. O parente das malogradas crianças realçou que “não falo isso por estar ofendido pela perda dos meus descendentes, mas para ajudar o Governo a tomar precauções de modo a evitar que coisas do género continuem a acontecer”.
Na lista de reclamações apresentadas pelos familiares das vítimas, consta ainda que os enfermeiros não explicaram pessoalmente o estado de saúde dos pacientes e o anúncio do falecimento dos rapazes foi feito através de uma lista que colocaram na parede com os seus nomes. Uma fonte do Hospital Neves Bendinha, que preferiu não ser identificada, contrariou as informações avançadas pelo tio, porque existe uma equipa de plantão, que é reforçada por vários enfermeiros especializados em queimaduras.
“Temos uma equipa de enfermeiros que recebe constantemente formação de refrescamento e que estão capacitados para lidar com qualquer tipo de queimadura. Por isso, não acredito que os pacientes deram entrada neste hospital à meia-noite de sábado e só foram atendidos às 10 horas do dia seguinte”, protestou a fonte.
Bombeiros limpam as mãos O porta-voz do Corpo dos Bombeiros, Faustino Sebastião, disse a O PAÍS, que é possível que os seus colegas não tenham recebido o telefonema das pessoas que tentaram contactá-los, porque a única linha de atendimento que a sua corporação tem encontrava-se congestionada.
“A nossa rede tinha este problema, mas já está ultrapassado. A Angola Telecom e o Departamento de Informática do Ministério do Interior rubricaram um acordo que permitiu a entrada em funcionamento, nesta terça-feira, de mais cinco linhas que reforçam as três até então existentes”, explicou Faustino Alberto. Até ao final deste mês, por altura do aniversário dos Serviços dos Bombeiros, o número de cabines de atendimento ao público poderá aumentar para 16. As três até então existentes, recebiam diariamente cerca de 2.000 pedidos de ajuda, mas deste número apenas cinco eram verdadeiros. “Temos estado a tentar consciencializar a população para não brincarem com este serviço, porque enquanto uns ficam num lado da linha a brincar, os outros estão aflitos a tentar pedir ajuda, mas não conseguem”, rematou.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A Iniciativa Anti-Corrupção de Rafael Marques

Ponto Prévio: O activista de direitos humanos Rafael Marques voltou a “brincar” esta terça-feira à sociedade angolana com mais um interessante trabalho sobre os desvios dos fundos públicos no nosso país. A posição deste activista cívico foi tornada público alguns dias depois do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, ter manifestado o seu desagrado pelo trabalho do Tribuna de Contas.
Por outro lado, o PR reconheceu que no seu governo existem maus gestores de cargos públicos.
O que é a Maka?
Maka é um substantivo em kimbundu cujo significado, em português, se refere a um problema delicado, complexo ou grave.

A presente iniciativa é dedicada, de forma específica, à luta anti-corrupção em Angola. De um modo geral, a iniciativa aborda a dinâmica da economia política de Angola, com particular realce para a promiscuidade entre o dever público e os interesses privados por parte dos altos funcionários do Estado, a exclusão económica e social e a violação dos direitos humanos para fins comerciais.
Angola é dotada de imensuráveis riquezas naturais e tem registado, nos últimos quatro anos, um impressionante crescimento económico. Todavia, a gestão desses recursos e do património do Estado, em geral, tem gerado mais injustiças políticas, sociais e económicas do que benefícios para a maioria da população angolana. Esta é a maka.

O Governo e a corrupção: As comissões de 1990 e 2009
De forma consistente, como ilustração, o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, tem denunciado o fenómeno da corrupção como o pior mal da sociedade angolana. Na realidade, quanto mais o presidente fala sobre o assunto, maior é o domínio e a transparência dos actos de corrupção no seu governo, cujos maiores beneficiários, conforme constatação oficial, são os próprios dirigentes.
Em 1990, o Presidente da República, através do Despacho Presidencial N° 22/90, estabeleceu uma comissão interministerial para o estudo multidisciplinar sobre o fenómeno da corrupção em Angola, especialmente na administração pública e sector empresarial. Esse estudo, dirigido pelo então ministro da Justiça, Lázaro Dias, determinou como as principais formas de corrupção no país:
“O abuso de poder e outros excessos de autoridade em benefício próprio, traduzido em qualquer vantagem pessoal de ordem material (mormente monetária) ou espiritual;
O tráfico de influências pelos titulares dos poderes públicos para alcançar vantagens ou tutelar interesses pessoais e de sua família;
A fraudulenta gestão económico-financeira dos organismos do Estado, instituições públicas e empresas e bem assim das organizações de massas e sócio-profissionais, de que resulta a apropriação ilícita de bens (materiais e financeiros) do respectivo património;
A solicitação ou aceitação generalizada do suborno pelos funcionários responsáveis e empregados públicos como contrapartida, para a prática de um acto (lícitio ou ilícito) próprio das suas funções ou, mais grave ainda, fora da sua competência legal;
Os desvios e o roubo desenfreado dos bens do Estado (…).”
O referido estudo asseverou que, “a corrupção favorece a injustiça social e a desigualdade real dos cidadãos, atentando, pois, contra os seus sagrados direitos, liberdades e garantias fundamentais.”
Face à espiral de corrupção, de abuso de poder e malbaratamento do património do Estado, desde o alcance da paz, em 2002, o presidente criou a 5 de Agosto de 2009, através do Despacho N.° 20/09, outra comissão para a elaboração e sistematização da legislação com vista a garantir uma conduta exemplar por parte dos servidores públicos, quer a nível profissional e político quer privado.

Avaliação das comissões
Importa tecer dois comentários sobre estes dois despachos presidenciais e os resultados esperados.
Primeiro, o relatório de 1990 observou a existência suficiente de leis e instituições para o combate à corrupção, e sublinhou que a quase-inoperância das mesmas devia-se a três principais causas:
O deficiente recrutamento de pessoal através do qual “agentes com senso de responsabilidade são misturados com o ‘lumpenato, quase sempre impune.”
A intangibilidade de certa classe da sociedade. Nesse ponto o relatório aludia aos dirigentes que comportam como intocáveis.
A esse propósito, o relatório destacou que quando os principais dirigentes abusam do seu poder, a coberto da impunidade, “não se pode esperar muito de níveis mais baixos, porque os honestos se sentem frustrados e os menos ou não honestos se sentem estimulados pelo comportamento dos de cima.”

Receio de represálias
De forma sábia, o relatório expôs uma fábula para descrever o receio prevalecente na sociedade sobre como atacar os principais promotores da corrupção ao mais alto nível da administração do Estado.
Segundo o fabulário em questão, um gato introduziu-se num armazém onde os ratos viviam tranquilamente. O gato realizou uma grande matança ao que obrigou os ratos sobreviventes “a convocar um conselho geral para debater a situação e encontrar soluções.”
“Muitas soluções foram aventadas e rejeitadas, até que foi entusiasticamente ovacionada uma: ‘atar um guizo ao pescoço do gato e assim com a deslocação do gato, pondo o guizo a tocar, os ratos, prevenidos, tinham tempo para se pôr a salvo.
Mas, um rato velho, com a experiência dada pela idade, levantou-se e perguntou:
- ‘E quem vai atar o guizo ao pescoço do gato?’
A reunião terminou num silêncio sepucral.”
O segundo comentário atém-se à integridade moral, profissional e política dos membros das duas comissões. A comissão de 1990 era liderada pelo então ministro da Justiça, Lázaro Dias, cuja integridade moral e política se colocava acima de suspeitas. Essa comissão elaborou o seu trabalho num contexto institucional de genuína preocupação com o modus operandi do governo, face à transição para a democracia multipartidária.
Por sua vez, a comissão de 2009 enferma de um vício grave. É coordenada pelo Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Frederico Manuel dos Santos e Silva Cardoso. Esse alto funcionário presidencial é proprietário da empresa Valleysoft, em cuja detém 71.25% das acções, e co-administrador da mesma.
Em 2008 a Valleysoft foi responsável pelo forncecimento de boletins de voto, a operação logística, distribuição, recolha e aprovisionamento dos kits eleitorais, durante as eleições legislativas. Frederico Cardoso teve um papel duplo nas eleições. Por um lado, geriu, como empresário privado e em contravenção a várias disposições da Lei Eleitoral, o manuseamento arbitrário dos kits eleitorais, em particular dos boletins de voto. Por outro, como chefe de gabinete do então vice-presidente do MPLA e coordenador da campanha eleitoral do MPLA, Pitra Neto, foi instrumental na direcção da estratégia eleitoral e na garantia da vitória absoluta do MPLA, com 82% dos votos. Frederico Cardoso também concorreu às eleições e foi eleito deputado. Suspendeu o seu mandato para servir como chefe da Casa Civil do Presidente da República.
A nomeação de Frederico Cardoso para a coordenação da referida comissão revela apenas o nível de falência moral do Chefe de Estado e de Governo, José Eduardo dos Santos. Não há informação pública que indique a demissão de Frederico Cardoso do cargo de administrador da Valleysoft e do Grupo Ducard, a empresa mãe que também inclui a transportadora aérea Air 26 e a a companhia de prestação de serviços às multinacionais petrolíferas Ducard Energy.
Em Junho de 2008, o Presidente José Eduardo dos Santos reiterou a necessidade de se separar “claramente a actividade empresarial privada da actividade política e administrativa dos dirigentes e chefes que ocupam cargos no Governo e na administração pública em geral.” O presidente manifestou, assim, a urgência em se pôr cobro à prática dos dirigentes em usar os cargos públicos para servir os seus interesses privados. Todavia, a realidade demonstra que o presidente encoraja e dá cobertura a tais práticas e delas retira dividendos políticos, sociais e materiais para a manutenção do seu poder pessoal.
Por essa razão, é fundamental que a sociedade se engaje de forma pro-activa na fiscalização dos actos de governo de forma a garantir que este sirva o interesse público e não de um grupo de invidivíduos liderados pelo Presidente da República.
A Maka é uma resposta ao silêncio com que a sociedade, receosa ou cúmplice, reage ao saque e à destruição humana resultantes da acção dos dirigentes actuais e do comportamento venal da administração pública em geral.
A Maka se predispõe a “atar o guizo ao pescoço do gato.”

Porquê?
Porque nenhum angolano se deve sentir envergonhado ou temeroso de realizar uma boa acção ou defender uma causa justa para o bem comum da sociedade angolana.

Quem é Rafael Marques
Rafael Marques é um jornalista e pesquisador angolano, com especial interesse sobre a economia política de Angola e os direitos humanos. Em 2000, recebeu o distinto Percy Qoboza Award [Prémio Percy Qoboza para a Coragem Exemplar] da Associação Nacional dos Jornalistas Negros dos Estados Unidos da América. Em 2006 venceu o Civil Courage Prize [Prémio de Coragem Civil] da Train Foundation (EUA) pelas suas actividades em prol dos direitos humanos.
Tem vários relatórios publicados sobre a violação dos direitos humanos no sector diamantífero em Angola, incluindo A Colheita da Fome nas Áreas Diamantíferas (2008), Operação Kissonde: Os Diamantes da Miséria e da Humilhação (2006), e Lundas: As Pedras da Morte (2005), em co-autoria com Rui F Campos.
Malanjino, Rafael é Mestre em Estudos Africanos pela Universidade de Oxford. É formado em antropologia e jornalismo na Goldsmith, Universidade de Londres.

Frescura: Juízes preparam próxima audiência à lupa

O juiz Salomão Filipe não confirma nem desmente a existência da testemunha que pode alterar o curso do processo
A equipa de juízes da 5ª Secção de Crime Comum do Tribunal Provincial de Luanda não realizou esta semana a audiência de auscultação da suposta testemunha chave do “Caso Frescura”, porque decidiram refazer a instrução do processo devido às lacunas deixadas pelos peritos da Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC).
“Não temos ainda uma data para realizarmos a audiência porque estamos a fazer o trabalho preliminar de instrução do processo. Esse é um trabalho que devia ser feito pelos órgãos de investigação e a nós só competiria julgar o caso, mas infelizmente somos obrigados a fazê-lo”, explicou esta quinta-feira, 19, ao Tribuna da Kianda o juiz-presidente da 5ª Secção, Salomão Felipe.
Confrontado com a informação avançada na edição passada por outra fonte da mesma secção, Salomão Filipe não confirmou nem desmentiu a presença da testemunha chave na audiência que estava prevista para esta semana: “Eu é que estou a orientar os trabalhos e ainda não fiz nenhum anúncio, não dê ouvidos a ninguém. Se houver alguma coisa, eu, na qualidade de juiz-presidente desta secção, vou comunicar-vos. Aguardem apenas por mais alguns dias”, acrescentou.
A presença desta testemunha no tribunal foi anunciada pela primeira vez na última audiência, realizada no dia 5 de Novembro, pelo próprio juiz-presidente quando transferiu a sessão das alegações finais, leitura e aprovação dos quesitos, em razão de algumas diligências que estavam a ser feitas para notificar este declarante que dizia desconhecer.
“A sessão acontecerá na próxima semana e acho prudente ainda não especificar o dia, tendo em conta que os meus colegas começaram hoje a fazer as diligências para trazermos nesta audiência o declarante”, frisou na altura o magistrado judicial.
De acordo com as informações avançadas na semana passada por este jornal, o colectivo de juízes pretendia anunciar na sexta ou na segunda-feira, o dia em que interrogaria a nova testemunha que poderá desvendar os autores e os motivos que levaram a praticar tal acto.
O julgamento não prosseguiu na altura prevista porque os oficiais de diligências estavam a envidar os esforços para encontrar o declarante, mas, por uma questão de segurança, o seu nome só será avançado no dia da própria audiência.
Salomão Filipe apelou a sociedade a conter as expectativas porque o resultado final de todo o processo será conhecido ainda este ano. “Os trabalhos terminarão ainda este ano, porque nós também já temos uma certa pressa em concluí-lo. Não é normal um julgamento levar tanto tempo assim. Apesar de estarmos consciente de que isso só está a acontecer por ser um caso pouco comum”, revelou.
O advogado de defesa das famílias das vítimas, André Dambi, garantiu ao Tribuna da Kianda que esteve no Tribunal na quarta-feira, 18, e recebeu a informação que a audiência será realizada na próxima semana.
As vítimas do “Caso Frescura” foram os jovens Ismael da Silva, Eretson Francisco, Paulo Neto, Fernando Manuel, Elias Pedro, João Van-Dúnem, André Marques e Aguinaldo Simões.
Os acusados são todos efectivos da Polícia Nacional colocados na Divisão do Sambizanga, nomeadamente Faustino Alberto, Simão Pedro, Manuel André, Elquias Bartolomeu, João Miguel Lourenço, Miguel Domingos Inácio Francisco e João Almeida.
O julgamento é presidido pelo juiz Salomão Filipe, coadjuvado pelos juízes vogais Anastácia de Melo e Fortunato Feijó. A Procuradoria-Geral da República é representada pelas magistradas Isabel das Neves Rebelo e Carla Nogueira.
O “Caso Frescura”, como ficou conhecido, ocorreu no dia 23 de Junho de 2008.

Capa de O PAÍS


quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Reajuste salarial provoca desânimo na Polícia

Os agentes da Polícia Nacional com menos de três anos de serviço, que foram abrangidos pelo processo de reajuste salarial realizado pelo Comando Geral, estão insatisfeitos pelo facto dos seus actuais ordenados não diferirem muito dos que recebiam na altura da recruta.
Para não serem punidos por desobediência, o Tribuna da Kianda conversou com alguns agentes na condição de anonimato.
Os polícias que terminaram o curso no dia 25 de Junho último queixam-se de não saberem o valor real dos salários, devido às constantes alterações que sofrem.
“A primeira disparidade aconteceu na altura em que nos encontrávamos a fazer a recruta na Escola de Polícia do Kikuxi, visto que enquanto uns recebiam mensalmente o subsídio de 18 mil kwanzas que tínhamos direito, os outros só vieram a receber alguns meses depois de terminarmos o curso”, explicou uma fonte, que está actualmente a funcionar no Comando Municipal do Sambizanga.
A fonte contou que faz parte do grupo de agentes que só receberam os subsídios depois de 20 meses, quando enquadrados e que não têm salário fixo.
“Houve alturas em que recebíamos 47 mil kwanzas e outras que recebemos um valor muito inferior a este. Já cheguei ao ponto de auferir 20 mil. Quando fui reclamar na área financeira, a única coisa que me disseram é que eles não são culpados, porque o erro tinha partido do Comando Geral”, frisou.
Os agentes salientaram que viram os salários reduzidos quase ao meio.
Acreditam que esta medida poderá leva-los a desenvolver uma outra actividade paralela à Policia, tendo em conta que não será possível sustentar a sua família com 25 mil kwanzas. “Para além do gosto pela farda, entrei na Polícia por causa do salário que eles pagavam, tendo em conta que trabalhava como um simples professor do curso básico de informática e auferia 200 dólares mês, mas tive que parar porque os primeiros três meses que trabalho no Sambizanga foram muito difíceis. Agora que está a ser implementado este regulamento não tenho outra opção, senão aproveitar os meus dias de folga para voltar a dar aulas para evitar que a minha família fique alguns dias sem comer”, precisou com um ar de tristeza.
O agente acrescentou que “já pensei em desertar, porque o ordenado que recebo não compensa os riscos que corro todos os dias para manter a ordem, a tranquilidade e garantir a segurança da população”. Segundo ele, “as pessoas podem não compreender, mas é duro ter que passar a noite a andar por essa cidade atrás dos infractores”.
Um outro agente, que está destacado na Brigada Auto há um ano, também viu o ordenado reduzido.
“No meu ponto de vista essa redução é um convite para extorquirmos dinheiro aos cidadãos, porque os 28 mil kwanzas que receberei, ao contrário dos 47 mil kwanzas, não chegará para pagar a renda de casa, garantir que haja comida para minha família durante todo o mês e fazer uma reserva para apanhar todos os dias táxi para ir trabalhar”, frisou com um ar incorformado.
O efectivo da Brigada Auto espera que os mais altos responsáveis da Polícia ponderem a decisão de reduzir os salários dos recém-formados, sob pena destes abandonarem a corporação nesta altura em que se precisa de um número elevado de efectivos para garantirem a segurança durante o Campeonato Africano das Nações (CAN).
“Como é aqui em Luanda onde estão todos os chefes da Polícia e do Ministério do Interior, somos obrigados a assistir esta diminuição calados sob pena de sermos castigados. Os regulamentos da corporação são muito claros e duros, aos estabelecer que as informações internas não devem ser transportada para fora do círculo policial, sem a autorização dos seus superiores, e quem assim procede deve ser punido”, disse o agente.
Alguns dos integrantes da comitiva dos 200 efectivos da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) que estiveram, em Outubro, na África do Sul, a participaram nos treinos militares que os habilitaram a reforçar o contingente militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), consideram que a desilusão começou aí. Antes de partirem para as terras de Mandela, foram informados pelos seus superiores que receberiam um subsídio, em kwanza, no valor aproximado de 12 mil dólares, mas receberam apenas 1.500 dólares.
“A nossa frustração começou lá porque antes de partirmos tivemos direito a uma cerimónia de despedida no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, mas no regresso fomos tratados como uns quaisquer e nem sequer fomos recebidos com júbilo, ao contrário dos nossos colegas dos outros países. Só para não falar no péssimo tratamento que tivemos lá”, rematou.
Na África do Sul, os efectivos da polícia angolana participaram numa demonstração real, com vários cenários e que contou com a participação de pessoal dos vários exércitos dos 11 países da SADC. Foram preparados e instruídos para intervirem em situações de manutenção de paz na região da SADC.

Inspecção aperta o cerco
Apesar de estarem revoltados com as alterações salariais e descreverem-na como uma forma indirecta que o Comando Geral terá achado para incentiva-los a extorquir os cidadãos, os nossos interlocutores atestam que terão de estudar novos métodos para ludibriarem os Inspectores do Comando Provincial de Luanda.
Segundo eles, os inspectores actuam trajados a civil e em viaturas particulares nas zonas onde se encontram destacados os agentes reguladores de trânsito, das esquadras móveis e nos locais onde estão permanentemente os efectivos da Brigada Auto.
“Eles normalmente aparecem e ficam a apreciar o nosso trabalho de forma descontraída para não chamarem a atenção, mas como já conhecemos a forma como eles actuam, procuramos agir do mesmo modo”, desvendou um regulador de trânsito, destacado na Unidade Operativa de Luanda.
O agente de trânsito disse ainda que “até um certo ponto a presença deles acaba por ser inoportuna porque nos deixam nervosos e aqueles que não estão habituados a trabalhar sobre pressão, acabam por embaraçar mais ainda o trânsito de tanto nervosismo”.
No entender da fonte de O PAÍS, será muito difícil para eles ter que escolher entre passar a multa a um automobilista que infringiu o Código de Estrada, para depois o dinheiro ser revertido ao cofre do Estado, e receber uma “gasosa” para ajudar a custear as despesas de casa.
“É preciso termos em atenção esse pormenor porque os 28 mil kwanzas que passei a ganhar não duram mais de 10 dias e não terei outra opção para evitar que os meus dois filhos fiquem os outros 20 dias sem comer”, rematou o agente de trânsito, que está na corporação há quatro anos.

Erro no Comando Geral
O porta-voz do Comando Geral da Polícia Nacional, Carmo Neto, disse a O Tribuna da Kianda que este problema surgiu de uma falha cometida pelo departamento financeiro, mas que já estava resolvida.
Carmo Neto garantiu que, neste momento, o agente que ainda estiver nesta situação deve dirigir-se à área financeira da unidade onde está destacado para receber mais informações.
“A falha já está a ser corrigida, até porque com o CAN à espreita, nós precisamos de todos os nossos efectivos e não queremos afastá-los”, concluiu o porta-voz.

Frescura: testemunha-chave vai ser apresentada na próxima semana

Os juízes da 5ª Secção de Crime Comum do Tribunal Provincial de Luanda vão retomar, na próxima semana, o julgamento dos sete agentes da Polícia acusados de assassinarem oito jovens, no Largo da Frescura, com a apresentação de uma nova testemunha que poderá desvendar os autores e os motivos que levaram a praticar tal acto.
O julgamento não prosseguiu esta semana porque os escrivães da 5ª Secção estavam a fazer as diligências para encontrar o declarante e a equipa de juízes poderá anunciar hoje, sexta-feira, ou na próxima segunda-feira, o dia em que decorrerá a audiência.
O nome da testemunha só será avançada no dia da própria audiência, uma condição também corroborada pelo juiz presidente Salomão Filipe. O advogado de defesa das famílias das vítimas, David Mendes, disse a O PAÍS que ainda não tomou conhecimento dos elementos e muito menos dos indivíduos que os juízes estavam à procura.
“Penso que o facto de estar a haver por parte da Polícia um comportamento de não cooperação, o meritíssimo pretende surpreendê-los para se evitar contactos com o mesmo” frisou o advogado. Até ontem, quinta-feira, a equipa de advogados da Associação Mãos Livres não tinha sido informada sobre a data da próxima audiência.
David Mendes disse que já haviam preparado as alegações finais, de acordo com as constatações que tiveram, mas agora vão aguardar a próxima sessão para determinar se vão manter ou alterar alguma coisa. “Ou ainda em função da próxima sessão, se seremos ou não forçados a pedir que se chame outras pessoas”, acrescentou o defensor da acusação.
A equipa das Mãos Livres espera que se tome uma decisão o mais rápido possível, mas comunga também da ideia de que não deve haver pressa para se encerrar o caso. “Acho que esta audiência vai determinar se será ou não decidido este mês a sentença a aplicar aos réus, porque sou de opinião que não deve haver pressa, devemos ir até onde for preciso para que a decisão seja a mais justa possível”, garantiu o causídico.
Apesar de ter ficado claro, aquando das declarações do comandante provincial da Polícia, Joaquim Vieira Ribeiro, que o juiz poderia convocar, caso fosse necessário, o director-adjunto e o chefe de departamento da Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC), para falarem sobre as investigações coordenadas pelo malogrado António Guimarães, Salomão Filipe descartou isso na audiência de 5 de Novembro. Segundo o juiz, se for necessária a comparência dos mencionados, o Tribunal tornará pública a convocação.
Já foram ouvidos no âmbito do caso Frescura os ex-responsáveis máximos do Comando Municipal do Sambizanga, Miguel Ferreira Londa e o instrutor processual Óscar António Pinto, assim como alguns familiares das vítimas que apareceram como testemunhas.
A falta de colaboração dos responsáveis do Comando Municipal e algumas duvidas que foram surgindo, levaram o Tribunal a notificar o subcomissário Joaquim “Quim” Ribeiro, o seu adjunto, Leitão Ribeiro, e o especialista em balística, Jacinto Coutinho João, do Laboratório Central de Criminalística.
Jacinto João confirmou que seis das 17 balas foram disparadas por duas armas do tipo AKM apresentadas, segundo o resultado do exame de balística. “No entanto, não se fez o exame químico para determinar, em concreto, se as armas dispararam ou não na data em que ocorreram os factos por falta de material”, revelou o especialista o Laboratório de Criminalística.
O julgamento é presidido pelo juiz Salomão Filipe, coadjuvado pelos juízes vogais Anastácia de Melo e Fortunato Feijó. A Procuradoria-Geral da República é representada pelas magistradas Isabel das Neves Rebelo e Carla Nogueira. O “Caso Frescura”, como ficou conhecido, ocorreu no dia 23 de Junho de 2008.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Caso Frescura: julgamento começa dia 24 deste mês

O julgamento dos agentes da Polícia Nacional supostamente envolvidos no massacre de oito jovens na rua da Frescura, no município do Sambizanga, terá início no próximo dia 24 deste mês. Os principais suspeitos encontramse detidos na Unidade Operativa de Luanda. Os acusados foram transferidos para esta unidade há cerca de um ano, depois de terem sido apresentados à imprensa, e permanecem no mesmo local enquanto decorrem as investigações.
Há duas semanas, o juiz da 5ª secção do Tribunal Provincial de Luanda, Salomão Filipe, que está a conduzir o processo, avançou à Rádio Ecclésia que desconhecia o paradeiro dos presumíveis mentores do crime que ficou conhecido como “Massacre da Frescura”.
Na mesma entrevista, o juiz avançou também que os supostos criminosos não se encontravam em nenhuma das cadeias onde habitualmente ficam detidos os indivíduos cujos processos transitaram em julgado. Segundo Salomão Filipe, “o processo aguarda pela notificação dos réus e o tribunal está a tomar providências para a localização dos supostos criminosos”. Os acusados foram notificados pelo Ministério Público.
“Ouvi por alto que estão detidos na esquadra da estrada de Catete, mas sempre que os meus companheiros tentaram visitá-los foram impedidos pelas autoridades policiais”, explicou António Simões, que perdeu o filho, Aguinaldo Simões, e o sobrinho, Edson Carlos, no referido incidente.
Nos últimos 15 dias, António Simões compareceu no Tribunal Provincial de Luanda e assegurou ter recebido informações de que o processo segue os trâmites normais, com a notificação dos supostos assassinos. “Fomos informados que os investigadores apresentaram ao Tribunal outros indivíduos cujos dados descritos nos autos não condiziam com os que foram apresentados à imprensa”, especificou António Simões, realçando que “neste momento estão a notificar os reais suspeitos para proteger as pessoas que não têm nada a ver com esse caso”.
O pai de Aguinaldo Simões explicou que vão constituir uma comissão nas vésperas do julgamento para que as pessoas que conhecem os presumíveis assassinos possam identificá-los. “Eles estão a apresentar pessoas que não têm nada a ver com esse crime. Como estamos a trabalhar com os advogados da Associação Mãos Livres, acreditamos que vamos conseguir reverter o caso”, garantiu António Simões.
Por seu lado, Bernardo Manuel, pai do malogrado Fernando Manuel “Nandinho”, 22 anos, espera que as autoridades levem às barras do Tribunal as pessoas envolvidas no assassinato dos oito jovens. Segundo o progenitor de “Nandinho”, os investigadores da Polícia Nacional conhecem concretamente quem são os presumíveis autores da chacina e onde estão actualmente.
Felismina Pedro, mãe de outra vítima, disse que também desconhece o paradeiro dos acusados e nem conseguiu ver os seus rostos quando eles foram apresentados à imprensa. “Não sabemos se os indivíduos continuam presos ou se estão em liberdade. Queremos ver os seus rostos, mas não nos deixam. Se algum dia cruzarmos com um deles não vamos conseguir identificá-los”, assegurou a senhora.

Troca de acusados atrasa julgamento
O presidente do Tribunal Provincial de Luanda, Augusto Escrivão, confirmou em entrevista à Angop a denúncia dos familiares das vítimas do “massacre da frescura”, de que as pessoas encaminhadas ao tribunal não são as mesmas que foram apresentadas à imprensa em 2008.
Depois de ter analisado o processo que deu entrada no Tribunal em 2008, o juiz da causa verificou que as pessoas acusadas não são as mesmas que supostamente cometeram o crime. “O juiz não é obrigado a aceitar todas as acusações nos processos, uma vez que a lei lhe confere esse direito. Caso verifique que a pessoa acusada não é a que cometeu o crime, ele pode recusar essa acusação, tendo em conta que a Lei prevê recurso”, explicou.
O magistrado deu a conhecer que nesse momento o processo está a correr os trâmites legais, depois de o juiz da causa ter alegado instrução deficiente do processo. Para o efeito, referiu, o Ministério Publico interpôs recurso e o processo seguiu para o Tribunal Supremo, onde ficou decidido, no pretérito mês de Junho, que o juiz da causa deveria receber a denúncia.
Augusto Escrivão informou que o julgamento do processo do caso “Massacre na Frescura”, relacionado com o assassinato, em Julho de 2008, de oito jovens, no município do Sambizanga, poderá acontecer a partir do dia 24 de Agosto.

Frescura ainda em pânico

Um ano depois, os parentes e vizinhos das vítimas continuam a viver os horrores da chacina

Nas residências em viviam as vítimas, o clima de luto ainda está bem patente. Próximo ao local onde os oito jovens foram obrigados a deitar antes de serem baleados ainda se encontra uma parede cheia de buracos causados pelas balas que perfuraram os seus corpos.
De acordo com os moradores, nem a pintura feita nas paredes da residência onde os jovens estavam em ambiente festivo antes do infortúnio consegue apagar a tristeza em que se encontram até hoje. A síndrome do medo que se apossou da população é tanta que ninguém aceita permanecer até altas horas da noite naquele local, com medo de voltarem a ser vítimas de “assassínios misteriosos”.
Ao se aperceber da nossa presença em sua casa, Madalena Miguel, mãe do malogrado Fábio Caricoco, 21 anos, não conseguiu conter a dor que se apossou dela e indicou-nos o seu filho Leandro Caricoco para falar a nossa reportagem. “Desde que o meu filho morreu eu não consigo dormir; posso ter sono, mas quando vou deitar na cama só fico a pensar no meu filho”, disparou.
Leandro Caricoco recordou que no momento em que aconteceu o massacre, por volta das 19 horas de quarta-feira 23 de Julho de 2008, encontrava-se em casa a se preparar para uma prova e ao ouvir os disparos largou os cadernos para refugiar-se no quarto de uma tia. Na altura em que tudo aconteceu, os dois irmãos encontravam-se a fazer o último ano do curso médio de Ciências Jurídicas e Económicas no Colégio Duvero, no qual eram colegas de turma.
“Não sabemos explicar o que esteve na base daquele acidente. A única coisa que sei é que os disparos foram tantos que ninguém conseguiu sair para acudi-los”, frisou, acrescentando de seguida que uma das vítimas chegou a relatar antes de perecer que foram os polícias da nona esquadra que praticaram tais actos, citando apenas os nomes dos agentes Júlio e Micha.

O nosso interlocutor relatou que o malogrado Jhonson Van-Dúnem mencionou antes de morrer o nome destes dois agentes porque eram os únicos que não tinham os rostos cobertos com máscaras e que frequentavam aquele local onde trabalhavam à paisana. Depois do infortúnio, desapareceram daquele município. Bernardo João Manuel, pai do jovem Fernando Manuel, outra vítima, contou que foi intimado a comparecer na Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) 15 dias depois do incidente e que de lá para cá tomou apenas conhecimento, através dos autos, que os supostos assassinos encontram-se em liberdade.
Por outro lado, disse que tomou conhecimento através da população que dois dos agentes que estiveram envolvidos no assassinato residiam naquele município, mas que após o “massacre” desapareceram sem deixar rastro. “Os dois indivíduos que a população diz conhecer frequentavam este município só que nós não conhecemos em que zona de concreto é que eles viviam”. Até a data da sua morte, o jovem Fernando Manuel frequentava o ensino médio num colégio localizado na zona do Benfica e não deixou mulher nem filho.

Testemunhas foram notificadas
Felismina Pedro, mãe do jovem Elias Pedro, de 21 anos, revelou que algumas testemunhas oculares já receberam a notificação para comparecerem em Tribunal como declarantes. “A morte do meu filho deixou a família abalada e até agora ainda não consegui recuperar desta perda. Não consigo nem ir fazer a vida. Ele deixou uma mulher e uma filha que está agora com dois anos”, explica.
Devido o estado emocional em que se encontra a dona Felismina, os familiares retiraram todas as imagens do jovem que se encontrava pela casa e atribuíram ao seu irmão a responsabilidade de acompanhar o caso. “A minha neta quando sai a rua, qualquer pessoa que ela vê trata logo de papá porque esta ansiosa em conhecer quem é realmente o seu pai”. Ao transportarem para o local onde decorria a entrevista o retrato do jovem, instalou-se um clima de óbito em casa de Felismina Pedro que chorava em companhia da sua irmã. A entrevista prosseguiu com a nossa inter locutora a manifestar-se bastante esperançosa que o julgamento será realizado ainda este mês, conforme anunciaram as autoridades, e que “será digno como a Lei vigente no nosso país, porque cá se faz cá se paga”.
A mãe de Elias Pedro referiu que não meteria a mão no fogo pelo seu filho por não conhecer concretamente os caminhos por onde ele andava, mas que se as autoridades policiais consideravam-no como sendo delinquente deveriam levá-los à cadeia e depois julga-lo de forma justa.
“Eu não vou pôr a minha mão do fogo dizendo que o meu filho não era delinquente, mas tenho a minha mente tranquila que não era, e se as autoridades sabiam o contrário deviam levá-lo as barras da justiça e não matar-lhe a rajada conforme fizeram”. A nossa interlocutora descreveu com bastante tristeza os locais onde o seu filho foi baleado, dizendo que “para matar o ser humano um tiro é suficiente. No meu filho, por exemplo, partiram-lhe os dois membros superiores e inferiores, deram-lhe um tiro na barriga e outro na cabeça, onde a bala acabou por ficar encravada”.
O Tribuna da Kianda tentou contactar as famílias de todos os cidadãos que morreram no “massacre da Frescura”, mas não foi possível porque alguns deles não se encontravam no local, ao passo que outros mudaram de residência.

Pais seguem o filho
A morte do jovem Jhonson Van-Dúnem, 22 anos, na zona Frescura, foi o ponto de partida para outros desaparecimentos físicos no seio daquela família que vive no meio do município do Sambizanga. Segundo Cristina Van-Dúnem, tia de Jhonson, quatro meses após a morte deste jovem, a sua mãe Antónia Joaquim Van-Dúnem, 47 anos, não resistiu a perda e acabou por morrer com um ataque cardíaco. Por ter sido uma das pessoas que acompanhou de perto a morte dos jovens e solicitou a ajuda dos vizinhos logo após os disparos, mesmo sem saber que naquele meio estava o seu filho, Antónia Van-Dúnem foi intimada na altura da constituição do processo a prestar declarações.
“Depois de ouvir os tiros ela saiu para ir ver o que se passava e ao ver os cadáveres deitados no chão começou a gritar pedindo socorro. Quando eu saí para ver o que se passava encontrei-a a gritar mesmo sem saber que o seu filho estava naquele meio”, explicou.
Contrariamente aos demais jovens que morreram no local dos disparos, Jhonsom morreu por volta das 23 horas no hospital. A tia lembrou que durante o tempo que esteve em vida, a sua irmã procurou acompanhar de perto as investigações policiais e ia periodicamente a esquadra para se inteirar dos processos de modos que o mesmo não caísse no esquecimento.
Cristina Van-Dúnem contou que o seu ente querido deixou duas mulheres, das quais uma tinha uma filha de dois anos e a outra estava concebida de seis meses, dando à luz a um rapaz. “Ele fez 22 anos seis dias antes de ser assassinado e estava a preparar-se para fazer o pedido das suas duas mulheres”, explicou. Jhonsom Van-Dúnem nasceu no Sambizanga, mas morava com a sua mãe no município de Cacuaco, onde trabalhava numa indústria pesqueira.
“Naquele dia eles vieram simplesmente visitar os seus parentes que moram aqui e pretendiam regressar no mesmo dia”, explicou Cristina Van-Dúnem, apontando para a avó do malogrado que tinha sido uma das beneficiadas da visita. Como o azar não vem só, o dia 31 de Junho ficou registado no calendário desta família com a morte do pai de Jhonsom, Simão André, 54 anos, que, segundo a nossa interlocutora, não conseguiu resistir a perda do filho e da mulher e faleceu também de ataque cardíaco.
Para além da dor causada pela perda dos seus ente-queridos, Cristina Van-Dúnem contou que neste momento está a enfrentar inúmeras dificuldades em ajudar as mulheres e as duas crianças que ficaram órfãs de pai devido este infausto acidente.
“Aproveito para pedir as autoridades que nos ajudem não só a resolverem esse caso, como também a criarmos essas crianças, tendo em conta que as mesmas não têm culpa de o pai ter sido assassinado por presumíveis agentes da Polícia Nacional”.
Contactado pelo Tribuna da Kianda, o porta-voz do comando provincial de Luanda, Nestor Gobel, recusou-se a tecer qualquer comentário sobre o assunto alegando que deveríamos enviar antecipadamente uma carta a sua instituição solicitando informações acerca do assunto.

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