domingo, 21 de fevereiro de 2010

Últimos dias do Caso Frescura

Nota: Ao que tudo indica, o julgamento dos sete agentes da Polícia Nacional acusados de assassinarem oito jovens no município do Sambizanga está prestes a chegar ao fim. Por esta razão, o Tribuna da Kianda começará a partir de agora a publicar uma série de artigos sobre as últimas audiências que estão a decorrer a 5 Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda.


"Caso Frescura" faz primeiro condenado

O antigo chefe do Departamento de Investigação Criminal do Comando Municipal do Sambizanga, Miguel João Ferreira Londa, foi condenado nesta segunda-feira, 25, pela equipa de juízes da 5ª Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, a pagar ao Estado uma multa de 25 mil Kwanzas.
A ordem de detenção foi dada pelo juiz-presidente Salomão Filipe, após ter sido solicitado pela representante do Ministério Público, Isabel das Neves Robelo, ao constatar que o declarante Miguel Londa incorreu no crime de falsas declarações puníveis pela Lei vigente em Angola.
Conforme noticiou este jornal na edição 65, a equipa de juízes que está a julgar os sete agentes da Polícia Nacional acusados de assassinarem oito jovens no Largo da Frescura, município do Sambizanga, voltaram a notificar alguns oficiais superiores da corporação que funcionavam naquele Comando Municipal.
O elenco de Salomão Felipe decidiu assim proceder, depois de apurar que as declarações prestadas por eles o ano passado no Tribunal não condizem com as explicações fornecidas aos peritos do Departamento de Inspecção do Comando Geral da Policia Nacional (DICGPN).
“O senhor foi novamente chamado por ser uma peça extremamente importante neste processo e contrariamente ao comportamento que teve da outra vez que cá esteve, espero que hoje tenha uma postura que vá mais em conta com a sua ocupação”, disse o juíz, acrescentando “refiro-me concretamente ao facto de ser polícia e prestador de serviço público”.
Na esperança de obter uma maior colaboração do investigador, Salomão Filipe começou por informar que tomou conhecimento que o declarante dominava alguns dados que seriam fundamentais para o esclarecimento da verdade, sobre o assassinato dos oitos jovens.
“Esperamos que o senhor não se comporte como se estivesse a passear como fez na última vez, porque o tribunal fez algumas diligências e apurou que o senhor sabe muito mais do que aquilo que disse na última vez que aqui esteve”, frisou.
O desabafo do juiz não comoveu o declarante, visto que ele procurou ser curto, objectivo e refugiar-se no silêncio para não responder algumas questões que lhe estavam à ser colocadas. Por opção de Miguel Londa, o juiz-presidente procedeu a leitura dos autos da declaração que fez no dia 8 de Outubro de 2008.
No final, questionou ao arguido se tinha alguma alteração a fazer ou se manteria as suas declarações e ele respondeu em prontidão que não tinha nada a acrescentar e que mantinha as suas declarações. “Para além da fase de instrução preparatória e das declarações que prestou ao Tribunal, o senhor não foi ouvido na fase de investigação?”, perguntou o juiz.
“Negativo. Eu confirmo que não fui ouvido em nenhuma outra ocasião”, afrimou categoricamente e de forma calma, o investigador.
Surpreendido com a afirmação do declarante, o juiz fez a leitura da alínea dois do 23º artigo do Código Penal com o propósito de mostrar a gravidade da omissão de dados e a pena prevista pela lei quando alguém assim procede.
“O senhor diz piamente que só foi ouvido durante a fase de instrução processual, mas eu afirmo categoricamente e de forma consistente que foste ouvido antes por uma outra instituição”, declarou.
Com isso, Miguel Londa suspirou fundo e depois de alguns segundos retorquiu dizendo que mantém as suas declarações. “Meritíssimo juiz mantenho as minhas declarações”, disse.
Desapontado com o comportamento do arguido, Salomão Filipe desabafou que durante o tempo que as audiências estiveram paralisadas, a sua equipa estava empenhada em procurar fazer novamente a instrução do processo, buscando todas as informações que os peritos da Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) esconderam de forma propositada.
“Por isso é que lhe estou a dizer que foste ouvido mais do que uma vez depois da instrução preparatória. É que também pesa na consciência do próprio julgador ver uma pessoa como o senhor a deitar por terra os 30 anos de carreira numa brincadeira, que é por mentira”, frisou. Questionou de seguida que “é por isso que estou a lhe dizer que foste ouvido mais do que uma vez. Não confirmas isso? É que o senhor pode ser incluído nesse processo como encobridor”. Mesmo assim, o juiz obteve um não como resposta.

Confissão do crime
Para refrescar a memória do interrogado, o juiz procedeu à leitura do relatório do inquérito realizado pelos peritos do DICGPN, onde ele declarava que foi informado via telefónica pelos seus colegas da DPIC e da Divisão do Sambizanga sobre o que se passava. No mesmo instante tomou ainda conhecimento que os seus subordinados estavam a ser apontados como os autores dos actos.
“Dai, passou a efectuar contactos telefónicos com os visados, que são os réus, uma vez que depois do facto meteram-se em fuga, deixaram de comparecer ao serviço e na maioria dos casos não atendiam os telefonemas. Entretanto, utilizou técnicas operativas de inteligência criminal o que lhe permitiu entrar em contacto com os principais arguidos Simão Pedro, Elquias Bartolomeu e Faustino Alberto”, lê-se no documento.
Miguel Londa diz ainda nos autos que este último era o principal mentor da cabala, na medida em que todos confirmaram via telefónica terem praticado tal hediondo crime. “Os dois primeiros esclareceram, durante as conversas que participaram também nesta acção os seus colegas Manuel André, João de Almeida, João Francisco (Tchutchu) e Miguel Francisco (Micha)”.
No relatório consta ainda que durante as conversas que o declarante teve com os réus Simão Pedro e Elquias Bartolomeu, recebeu não só a confirmação da participação deles no crime como também que o subinspector Faustino Alberto teve uma atitude extremamente exagerada durante a operação.
“Eles se deslocaram para o local numa viatura de marca Toyota Hiace, cor azul e branca, cuja chapa de matricula não conseguia precisar, e quanto todos os suspeitos se encontravam virados de cara para a parede de uma residência sem demonstrarem nenhum perigo.
Estranhamente, o Faustino, o Tchutchu e o Micha que desceram do automóvel e sem temor começaram a disparar a queima-roupa contra as vítimas”, leu o juiz, enquanto Miguel Londa olhava-o fixamente suspirando.
Continuando com rosto fixo nas folhas dos autos, Salomão Filipe concluiu que “este acto foi reprovado pelos demais integrantes do grupo que não encontraram forma de fazê-los parar, tendo inclusive lhes ocorrido a ideia de também atirarem contra eles”.
No documento consta que para deter os indivíduos que se encontravam em fuga algures em Luanda, Miguel Londa começou por persuadir o Elquias Bartolomeu que telefonou para os demais e ajudou na detenção de quatro elementos, faltando apenas o Faustino Alberto.
Para detê-lo, o ex-chefe de investigação do Sambizanga marcou um encontro com o acusado, no bairro do Palanca, onde aconselhou-lhe a entregar-se, mas não teve êxito porque o mesmo jurou a pés juntos que preferia a morte. Para não deixá-lo escapar, Miguel Londa pediu-lhe para o acompanhar até ao município de Viana onde se dirigia hipoteticamente para levar alguns pertences.
“A medida mais viável para detê-lo que encontrou ao longo do trajecto foi entrar à força dentro de uma Unidade Militar, sem cumprir com as formalidades habituas porque estava diante de um indivíduo armado que no meio policial era descrito como um homem muito violento”, consta nos autos da DICGPN.
Após a leitura do documento, Salomão Filipe questionou ao declarante se confirma ou não que prestou tal informação ao Departamento de Inspecção e se reconhecia a titularidade da assinatura que constava nos documentos. Tentando manter a calma mesmo em estado de nervosismo, Miguel Londa respondeu, depois de enxugar o rosto com um lenço de bolso, que mantém as declarações prestadas na primeira audiência e recusou-se a reconhecer a sua assinatura nos autos.
Dada a gravidade dos relatos que constam nos autos, o juiz solicitou ao réu Elquias Bartolomeu que se mantivesse de pé e dissesse alguma coisa em torno daquilo que acabava de ouvir. “Ele está aqui à minha frente e é do seu conhecimento que não falamos nada”, contou.
Todos os acusados foram unânimes em afirmar que em momento algum entraram em contacto com o senhor Miguel Londa. “O que o chefe Londa disse não é real porque em nenhum instante eu entrei em contacto com ele, agora cabe aos colegas que lhe deram estas informações se explicarem”, refutou Tchutchu.
Ao ver a posição assumida pelos réus, Salomão Filipe tomou a palavra e questionou ao réu Faustino Alberto se o senhor Londa é um “grande mentiroso” que teve a capacidade de criar uma história como aquela.
“O chefe Londa é um grande mentiroso, não? Quer dizer, ele mete em causa a liberdade de sete pessoas por uma mentira e sem ter nenhuma base de sustentação. Foi gratuito e longe demais ao acusar indivíduos que não têm nada a ver com isso? Uma pessoa com tantos anos de carreira vai se dar ao trabalho de estar a acusar pessoas inocentes”, questionou o juiz ao réu Faustino Alberto que disse apenas que mantinha as suas declarações.
Salomão Filipe solicitou ao acompanhante de sala que fosse levar o livro dos autos ao declarante para saber se o mesmo reconhecia ou não a titularidade do documento. “Não tenho nada a declarar”, frisou o depoente.

Manobras dos advogados
De seguida, o juiz passou a palavra ao advogado de defesa dos réus, Idelfonso Manico que vendo a gravidade da acusação constante nos autos do departamento de inspecção, tentou a todo custo encontrar uma forma de inocentar os seus clientes.
“Neste momento eu acho de suma importância fazer apenas uma pergunta e espero que o senhor me responda com sinceridade. Chefe Londa, quem foi que matou os jovens que no dia 23 de Julho de 2008 se encontravam no Largo da Frescura a conviver”, questionou.
“Doutor, com todo o respeito que tenho pelo senhor advogado não vou responder a esta pergunta”, disparou.
Já o advogado de acusação Afonso Mbinda procurou obter do declarante a confirmação de que foi ele quem prendeu os réus Micha, Tchutchu e Faustino Alberto, mas não obteve êxito porque o mesmo recusou-se a responder.
O também representante da Associação Mãos Livres tentou novamente: “Porquê o senhor apresentou os seus colegas como autores deste crime e não os membros do grupo Mana Belas e Sem Tropas, como declaraste a primeira vez que estiveste aqui no tribunal?” “Eu já disse aqui várias vezes que mantenho as minhas afirmações anteriores que constam nos autos”, respondeu Miguel Londa num tom enfurecido.
Na tentativa de manter o controlo da situação, o ex-chefe da DPIC no Sambizanga preferiu abster-se de todas as questões que lhe foram colocadas a seguir. O juiz Salomão Filipe, por seu turno, esclareceu ao interrogado que a lei atribui apenas aos arguidos o direito de se absterem e que ele tem o dever de colaborar para o descobrimento da verdade, sob pena de estar a cometer um crime caso proceda ao contrário.
Diante de tal situação, a procuradora Isabel Robela e baseando-se nos autos da DICGPN e do Tribunal solicitou a detenção do réu. “Uma vez que constatamos que o ora declarante incorreu no crime de falsas declarações, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 576ª, 411ª e 442ª do Código do Processo Penal e 242ª do Código Penal, requeremos que seja ordenada a sua prisão”, mencionou.
Em pânico e trémulo, Miguel Londa disparou “eu confirmo a minhas declarações”. Por sua vez, o juiz-presidente interrompeulhe de imediato e passou a palavra aos advogados de acusação e de defesa. “Senhor Londa ninguém lhe deu a palavra. Ninguém lhe deu a palavra”.
Idelfonso Manico saiu de primeira em defesa do depoente alegando que o mesmo não havia se contrariado, mas os seus argumentos não foram suficientemente fortes ao ponto de convencer o juiz a agir de modo contrário.
“Como ele está nos autos vai correr apenso a este processo aqui. Portanto, o senhor fica aqui e não vai sair mais”, decretou e de seguida ordenou ao arguido que fosse sentar numa das cadeiras de trás para depois da sessão ser encaminhado para a Unidade Operativa de Luanda (UOL).

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