terça-feira, 16 de março de 2010

Caso Frescura: Famílias exigem indemnização de 1 milhão e 600 dólares

A equipa de advogados das famílias dos oito jovens assassinados no Largo da Frescura, no Sambizanga, liderada por David Mendes, solicitou esta terça-feira, 9, aos juízes da 5ª Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, que condenem o Estado a pagar aos seus clientes uma indemnização não inferior a 200 mil dólares pela perda dos seus familiares.
David Mendes fez esta exigência baseando-se no facto de os agentes da Polícia acusados de praticarem tal crime, se encontrarem, na altura, em missão de serviço e a cumprirem um plano operacional que foi elaborado pelos oficiais superiores do comando municipal do Sambizanga e aprovado pelo comandante provincial de Luanda, segundo declarações prestadas pelos depoentes Francisco Ribas e Miguel Francisco “Meganha”, então comandante da Polícia naquele município e o ex-comandante da 9ª Esquadra, ao departamento de Inspecção do Ministério do Interior (Minint) lidas em julgamento.
“Meritíssimo juiz estamos perante um acto praticado por agentes do Estado, que agiram como tal e nos termos do artigo 74ª da Constituição nós exigimos a responsabilidade civil do Estado. Assim, sendo, pedimos que o Estado indemnize as famílias das vítimas com um valor não inferior a 200 mil dólares cada”, apelou.
O também presidente da Associação Mãos Livres fez as mesmas declarações durante a audiência de apresentação das alegações finais.
Quanto às penas a serem aplicadas aos acusados, David Mendes solicitou a moldura número cinco do Código Penal, que determina a punição variável de 20 a 24 anos de prisão para cada um dos réus, visto que eles têm a obrigação de não cometerem crime e de terem agido em grupo. “Há oito crimes de homicídio de carácter simples, mas que por ser este número passa automaticamente para a acumulação de vários crimes e isso faz com que sube imediatamente a moldura penal de número cinco do Código Penal.
Com a agravante de outros pressupostos que constam nos termos dos números sete, dez e 25 do Código Penal”, explicou.
Tomando a palavra, a procuradora Isabel das Neves Robelo recordou que dos dois projécteis de nove milímetros enviados para o Laboratório Central de Criminalística do Comando Geral da Polícia, apenas um apresenta vestígios de disparos e das quatro armas de marca AKM, só duas com os números AB 35-869 e E1541 ficaram comprovadas como sendo delas de onde partiram seis das 17 balas que atingiram os oito jovens.
“Não se entende, como é que para um caso de tamanha proporção os investigadores e instrutores conseguem apresentar como elementos simplesmente como elementos de prova os exames das armas apreendidas. Quando no momento de apresentá-los à imprensa exibiu-se uma viatura de marca Toyota Hiace, que se encontrava supostamente em posse dos arguidos”, declarou.
Isabel Robelo disse, por outro lado, que em nenhum momento foi revelado em que circunstâncias os acusados foram capturados, bem como o local de onde sairam as armas, a viatura e se de facto foram eles que as utilizaram.
“Em suma, neste auto não houve o cuidado necessário durante os processos de investigação e de instrução preparatória, mesmo tendo em conta que está em causa a vida de oito jovens, sendo esta um bem supremo para qualquer ser vivo”, enfatizou.
À semelhança de David Mendes, a procuradora é de opinião que a forma como os peritos de investigação dirigiram o processo só demonstra que tinham a intenção de prejudicar o seu bom andamento, porque mesmo depois de comparecerem em Tribunal, não contribuíram para se encontrar a verdade material.
A representante do Ministério Público questionou os réus sobre os motivos que os terão levado a assassinar friamente os jovens se, quando os interpelaram, não estavam armados e nem sequer mostraram resistência, sem receber nenhuma resposta.
“Concluímos que não há dúvida que os réus aqui presentes são os autores do crime e como tal devem responder, como eles próprios declararam a quando da sua apresentação à imprensa, que a justiça cumpra com o seu papel. Função esta que o Ministério Público (MP), em representação do Estado Angolano, requer a esta instância que sejam os réus condenados na pena máxima prevista no artigo 351º do Código Penal”, solicitou.
Acrescentou de seguida que “… segundo o princípio da repartição de honras das provas, o MP não defende interesses próprios e o que ele quer é a realização concreta da justiça penal porque está em causa o interesse social e é do interesse do Estado que se faça justiça”.

Silêncio dos Réus
Apesar de as declarações prestadas pelos antigos responsáveis máximos da Polícia no Sambizanga, ao Departamento de Inspecção do Minint revelarem que os acusados foram os autores da carnificina, eles recusaram-se a alterar as informações fornecidas inicialmente ao Tribunal.
Na esperança de obter deles algum dado novo e cumprindo com a lei vigente em Angola, o juiz Salomão Filipe solicitou-lhes em separado que falassem alguma coisa, em sua própria defesa, que pudesse contribuir para a obtenção da verdade.
“Houve tempo suficiente para as pessoas ponderarem sobretudo o que aconteceu no decorrer das audiências.
Vocês têm, tal como qualquer pessoa que aqui se encontra e nós também, uma ideia formada sobre aquilo que foi de facto a ocorrência. Foram concedidas várias oportunidades para dizerem algo que não disseram antes e que poderiam fazê-lo a bem da vossa defesa, por esta razão dou-vos novamente a palavra. Há alguma coisa que queiram dizer?”.
De forma firme e confiante, os réus reafirmaram que mantêm as suas anteriores declarações. “Não tenho mais nada a declarar e mantenho as minhas anteriores declarações”, respondeu Elquias Bartolomeu.
Tentando explicar o motivo que levou os réus a não colaborarem com a justiça ao longo das audiências, David Mendes recorreu ao artigo 174ª do documento acima mencionado, para dizer que eles têm o direito de não responderem, manterem-se em silêncio e nem sequer fazer acusações contra si mesmos.
“Ainda que respondessem é de Lei que as simples declarações não pesam como corpo de delito, senão acompanhado de outros elementos de provas e é por este caminho de outros elementos de provas que a instrução processual foi dirigida no sentido de se trazer aqui o princípio do in dúbio pro reu. Foi tudo orquestrado, incluindo as declarações ao Tribunal para que seguíssemos por este caminho”, explicou.
No entender daquele advogado, os álibis criados pelos arguidos foram levados até aos declarantes que são pessoas que poderiam dizer a verdade ao Tribunal, mas que preferiram levar para aquele princípio. “Atribuindo as responsabilidades quer de investigação como de instrução processual ao falecido director provincial de Investigação Criminal, António Guimarães. Tudo isso para que a sociedade deixasse de ter credibilidade em instituições como esse Tribunal”.
David Mendes recorreu ainda ao artigo 20ª do Código Penal que descreve como sendo autores do crime os que concorrem directa ou indirectamente na sua execução. Os que concorrem para facilitar, preparar ou orquestrar a execução e os que instigam de forma que sem essa instigação o crime não seria praticado.
“Veio a este Tribunal o comandante provincial de Luanda Joaquim Vieira Ribeiro dizer que a Polícia não engoliria os seus próprios filhos. Isso ao responder porquê em vez da corporação trazer marginais como presumíveis autores do crime trouxe agentes da Polícia”, atestou. Acrescentando que “essa expressão é tão forte, tal e qual a que o comandante da Polícia viria a dizer mais adiante que foi um mau dia para a Polícia. Não disse que foi um dia mau para a cidade, para a sociedade ou para o país”.
Para o presidente da Associação Mãos Livres, as autoridades policiais preferem manter os acusados sob sua alçada para evitar que os autores morais dos crimes sejam encontrados: “Estava em causa uma questão de Polícia e os seus colegas tentaram encobri-los. Pergunto meritíssimo juiz onde é que os réus se encontram? A resposta a isso todos nós sabemos. Porquê que não estão sob a custódia do Serviço Prisional? Porque preferem mantê-los lá para que os autores morais nunca sejam encontrados e não há outra estratégia que não fosse essa”, declarou.
O juíz-presidente da 5ª Secção, Salomão Filipe, anunciou que a audiência de aprovação dos quesitos está marcada para o próximo dia 17 e a leitura da sentença será feita no dia 22 do corrente mês.

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