quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Detidos acusam polícia de tortura

Depois de termos publicados neste espaço a denúncia do líder do grupo de kuduro Os Lambas, Gelson Manuel Mendes “Nagrelha, dando conta que foi torturado e obrigado a assumir a autoria de um crime que diz não ter cometido, o Tribuna da Kianda traz a tona revelações de outros presos que queixam-se da mesma coisa.
Para salvaguardar o princípio da imparcialidade e fornecer aos internautas uma informação melhor fundamentada, o autor deste blog contactou o porta-voz do Comando Provincial de Luanda, Jorge Bengue e do advogado Octávio Kapito.
No ano passado, quatro jovens, que foram acusados de terem assassinado o juiz Gaspar Macumbi e o oficial da Polícia Niltom Janota, negaram a participação nos crimes e revelaram aos juízes da 6ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda que só aceitaram assumir a autoria dos mesmos para se livrarem da tortura.
O réu Joaquim Miguel alegou que assinou os autos para se livrar da tortura a que estava sujeito. “Não tenho nada a ver com o assassinato do juiz e do polícia, só aceitei a história que consta nos autos e assinei-os porque os investigadores estavam a torturar-nos muito e como sofro de dor no peito não tive outra opção”, revelou o jovem, olhando friamente para a juíza que o interrogava.
Já o seu compincha, Domingos Benjamim Canganjo “Miro King”, assumiu ter sido o autor dos disparos que resultaram na morte do oficial da Polícia Nilton Janota, mas negou a tesa apresentada pela corporação, segundo a qual: os marginais assassinaram o Juiz Gaspar Macumbi na tentativa de furtar a sua viatura de marca Toyota Land Cruiser.
“Não tínhamos intenção de matar o juiz. Interpelamos uma viatura de marca Toyota Hyace, onde recebemos todo dinheiro que eles tinham, era de noite, depois de dispararmos corremos em direcção a rua da vaidade. A população vinham atrás de nós com objectos para nos bater e para não sermos seguidos tirei a pistola e fiz um tiro, continuamos a correr. Três dias depois, fomos detidos pela polícia, foi aí que nos disseram que os tiros que efectuei atingiram um juiz que morreu no hospital”.
O réu disse ainda na ocasião que não conhecia o juiz e que fez os tiros no ar. “Quando fez os tiros não deu para ver quem vinha no outro lado da estrada. Não foi nossa intenção matar o juiz e muito menos roubar a viatura, naquele momento o nosso medo era de que a população nos matasse”.
Estas declarações não foram tidas em conta pela equipa de juízes, dirigida por Mariana Kalei, que baseando-se nos pressupostos legais, condenou os réus Miro King a 24 anos de prisão maior e a uma multa de 10 mil kwanzas, Adilson Miguel e Adilson João a 22 anos de prisão maior cada. No documento consta que o réu Adilson Miguel beneficiou do princípio de presunção de inocência quanto à participação no crime de roubo qualificado e “absolvido no crime de roubo concorrendo com homicídio em que foi vítima o malogrado Nilton Janota e no crime de posse ilegal de arma de fogo”.
Por sua vez, o réu Adilson João beneficiou do princípio de presunção de inocência quanto à sua participação no crime de roubo qualificado e foi absolvido no crime de posse ilegal de arma de fogo. Apesar de ter tentado ludibriar os juízes durante a fase de auscultação, alegando que não convivia com os demais, o cidadão Joaquim Miguel foi condenado a pena única de nove anos e oito meses de prisão maior e a multa de 10 mil kwanzas

Réus devem denunciar
O advogado Octávio Kapito defende que as pessoas que forem torturadas pelos agentes da Polícia Nacional enquanto estiverem detidos devem apresentar uma queixa diante do Ministério Público, porque não existe nenhum documento legal que permite este tipo de prática.
“As pessoas estão detidas de forma preventiva para serem apresentadas ao Ministério Público que encaminhará o caso ao Tribunal, e competirá a esta instituição aplicar a pena prevista em função dos documentos legais. Há situações que a Lei prevê o uso da força que não é a que está em questão”, explicou.
Octávio Kapito entende que “ao falarmos sobre este assunto somos obrigado a tipificar por quem e em nome de quem eles agem para se apurar a quem devem ser imputadas as responsabilidades”. “O facto dos agentes da Polícia serem servidores públicos leva-os a agirem em nome do Estado, mas é preciso esclarecer aquém devem recair as responsabilidades”, esclareceu o advogado.

Polícia nega acusações
O porta-voz do Comando Provincial de Luanda, Jorge Bengue, explicou ao Tribuna da Kianda que as acções da sua corporação estão centralizadas na legalidade e no respeito pelos direitos humanos, por isso torna-se nula qualquer acusação sobre o recurso a torturas quer sejam físicas ou psicológicas para obter a verdade dos acusados.
“As acções da Polícia Nacional são todas fiscalizadas pelo Ministério Público e caso os seus funcionários constatem a aplicação de alguns meios ou técnicas inapropriadas durante o processo de investigação, para obter a verdade, somos punidos por isso”, explicou Jorge Bengue.
Na esperança de formar e refrescar os comandantes e oficiais em conhecimentos sobre a matéria de direitos humanos, o Comando Geral da Polícia Nacional rubricou em 2005 um acordo de cooperação com a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) com vista a implementar o projecto “Esquadra de Polícia Segura”.
A AJPD recomendou, em 2007, uma auditoria para avaliar os benefícios do projecto e concluiu que, a Polícia Nacional deixou de fazer prisões fora dos horários estabelecidos por Lei, reduzindo desta maneira as reclamações de violações à Lei de Buscas e apreensões e consequentemente aos direitos humanos.
Durante as formações, os participantes entraram em contacto os regulamentos da Polícia, as Medidas de Coerção Processual, a Lei de Prisão Preventiva e Liberdade Provisória, a lei das Revistas, Buscas e Apreensões: A Polícia de Investigação Criminal na Fase de Instrução do Processo, Direitos Humanos, os Direitos Humanos no Domínio da Aplicação da Lei, o Papel da Polícia numa Sociedade Democrática, Deveres e Funções da Polícia e o Uso da Força e da Arma de Fogo pela Polícia.
Atendendo aos resultados alcançados, a corporação prévia alargar as formações até aos investigadores da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC).
O programa foi criado com o objectivo de aumentar a consciência jurídica dos quadros da Polícia Nacional, capacitar técnica e juridicamente os comandantes de Divisão e Unidades Municipais bem como oficiais da Direcção Nacional de Investigação e dotar os quadros policiais de conhecimentos sobre os Direitos Humanos.
Contactada por este jornal, a coordenadora do programa de Reforma Penal da AJPD, Lúcia da Silveira, mostrou-se indisponível para se debruçar sobre este assunto, alegando que se encontrava doente.
Na tentativa de obter mais informações sobre o assunto, Tribuna da Kianda contactou esta quinta-feira, 14, os advogados António Ventura e Inglês Pinto, mas não teve sucesso. O primeiro manifestou-se indisponível.

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