terça-feira, 6 de abril de 2010

Caso Frescura: advogado apelam ao Supremo

Os juízes do Tribunal Supremo (TS) receberam esta semana o processo dos sete agentes da Polícia Nacional que foram condenados a 24 anos de prisão maior pelo assassinato de oito jovens que se encontravam a conviver no dia 23 de Julho de 2008, no Largo da Frescura, no Sambizanga.
Os advogados da Associação Mãos Livres reuniram-se esta segundafeira, 29, com os parentes dos jovens assassinados e acordaram que deviam remeter o recurso por considerarem irrisório o valor de um milhão e 500 mil kwanzas (cerca de 15 mil dólares) que os juízes do Tribunal Provincial de Luanda (TPL) estabeleceram para o Ministério do Interior pagar como indemnização.
“O processo em si é de recurso obrigatório e não precisa que nenhuma das partes interponha recurso porque o Ministério Público (MP) por obediência hierárquica tem que apresentar as alegações ao Tribunal Supremo e as duas partes podem contra-alegar. É neste particular onde a gente vai debater sobre o montante estabelecido como indemnização”, explicou.
A Lei estabelece que os advogaPaulo Sérgio dos de defesa e de acusação podem apresentar, em simultâneo, as suas posições e manifestar qualquer inconformidade ou lapso que tenha ocorrido ao longo do julgamento no mesmo momento em que a Procuradoria da República remete as suas apreciações.
“Neste caso em particular, temos ouvido os nossos colegas da defesa a dizerem que vão recorrer e devem fazêlo, isso é bom, desde que tenham os argumentos necessários para convencer o TS porque em contrário poderá ser em vão”, frisou.
O advogado dos réus, Ildefonso Manico, deu a conhecer a O PAÍS na antepenúltima audiência que, para além das alegações finais apresentadas ao colectivo de juízes da 5ª Secção de Crimes Comuns do TPL, estavam a preparar os argumentos necessários para convencerem os magistrados judiciais do Tribunal Supremo de que os seus clientes são inocentes.
Atendendo ao facto de a representante do MP, Isabel das Neves Robelo, estar entre as pessoas que solicitaram a aplicação da pena máxima aos arguidos, André Dambi acredita que as alegações que esta instância judicial remeteu ao Tribunal Supremo servirão não só para solicitar que se mantenha a pena como para informar ao seu superior o bom andamento do processo para ele confirmar no colégio judicial.
“Acreditamos que o Ministério Público nas suas alegações vai defender a confirmação da pena, de certeza. E se eles fossem civis, poderia dar-se o caso do Supremo agravar ainda mais a pena para 30 ou 40 anos de prisão maior. Mas, infelizmente, eles são militares ou paramilitares e há uma cláusula que proíbe que no caso das pessoas que exerçam esta actividade a pena seja agravada por esta instância judicial”, declarou sem especificar o diploma legal em que está plasmado.
André Dambi explicou ainda que enquanto estiver a decorrer o recurso o Ministério do Interior (Minint) não poderá pagar a indemnização, porque ficará tudo suspenso. O que quer dizer que não será dentro de poucos dias que a adolescente Joana Alberto José, de 18 anos, e o seu filho deixarão de navegar na maré de azar que assolou as suas vidas desde a morte do seu companheiro Jhonsom Van-Dúnem.
Questionado sobre quanto tempo está estipulado na Lei para que o Tribunal Supremo responda a este processo, o também representante da Associação Mãos Livres esclareceu que pode variar de um a três anos, caso não seja dada uma certa celeridade.
“O Tribunal Supremo é uma instituição que não cumpre com os prazos, para começar, e partindo deste princípio normalmente os processos que lá vão parar demoram mais do que o esperado. À rigor, este processo teria de ter uma decisão no mínimo dentro de 60 ou 90 dias, mas as coisas normalmente só acontecem um, dois ou três anos depois”, frisou.
Acrescentou de seguida que “como este é um processo mediático talvez dêem alguma rapidez”. O advogado explicou que o Tribunal Supremo ao analisar um determinado processo cinge-se mais às questões de fundo de direito e não aos factos, porque estes já foram provados pelos juízes da 5ª Secção de Crimes Comuns.
O advogado de defesa dos réus, Ildefonso Manico, disse a este jornal que também já interpuseram o recurso ao Tribunal Supremo e que neste momento aguardam simplesmente pela resposta do colectivo de juízes para mais tarde apresentarem as suas alegações.
Ildefonso Manico mostrou-se bastante esperançoso que o colégio judicial do TS responderá o mais breve possível à sua petição, apesar da demora que normalmente se regista em processos semelhantes. “Em termos genéricos, isso leva cinco dias, mas pode acontecer o contrario porque há alguns factores que podem impedir que se realize dentro deste prazo.
Podemos adiantar-vos já que requeremos a interposição de forma tempestiva, ou seja, remetemos o recurso nos cinco dias após a leitura do acórdão e estamos simplesmente a espera da sua admissão pelo meritíssimo juiz”, esclareceu.
“Como estaremos diante do Supremo que é constituído por um colégio que aprecia o caso de forma minuciosa e restrita, apesar de haver um relatório, fora daquela pressão directa que à imprensa e a sociedade fizeram ao longo do julgamento. Por isso acreditamos que estarão mais firmes nas questões que vamos colocar”, explicou.
Questionado sobre o tempo que pode demorar todo este trabalho, Ildefonso Manico converge com o seu colega da Associação Mãos Livres ao considerar que a repercussão que o caso teve poderá levar os juízes a analisarem o processo com mais rapidez.
Por não conseguir especificar o tempo que terão de aguardar por uma resposta, o advogado disse que há casos que demoram três, seis meses ou até mesmo um ano. Ildefonso Manico manifestou ainda que o seu elenco continua a manter boas relações com os familiares dos seus clientes e que eles estão consciente que desempenharam o mandato que lhes foi concedido com todas as forças e argumentos legais possíveis.
“O juiz não conseguiu ceder à pressão social que incidia sobre si, por isso consideramos que fizemos o nosso trabalho e o resto cabia ao Tribunal decidir”, esclareceu.

Condenados permanecem em Viana.
O porta-voz da Direcção Nacional dos Serviço Prisionais (DNSP), Bernardo Gourgel, descartou a possibilidade de os sete réus serem transferidos para uma das unidades prisionais da província do Bengo, nomeadamente, Cabocha ou Cakila, dizendo que existem poucas possibilidades de os presos entrarem em rixas. “Não temos condições de separa-los e por isso eles terão de conviver com os demais presos, tendo em conta que na cadeia de Viana existem algumas celas que são separadas apenas por um corredor”, explicou.
Bernardo Gourgel disse ainda que apesar das transferências que foram feitas nos últimos dias para as cadeias acima mencionadas, só conseguiriam separar os prisioneiros em função das idades e da especificidade do crime caso houvesse uma grande redução no número de presos. “Ao nível dos serviços prisionais existem algumas regras a que os réus são obrigados, por isso é que sempre que recebemos um novo detendo lhe é entregue uma cartilha contendo toda a informação sobre os seus direitos e deveres”, explicou.
Bernardo Gorgel declarou ainda que existem poucas possibilidades dos prisioneiros se confrontarem, visto que caso eles violem uma das normais, o que no seu entender raramente acontece, serão severamente punidos.
O advogado André Dambi manifestou-se despreocupado com a possibilidade de os condenados serem transferidos para uma das duas unidades prisionais do Bengo, mencionando a lei que confere o direito de solicitar a presença deles quando acharem necessário.
“A qualquer altura que a gente suspeitar que os réus não estejam efectivamente a cumprir a pena dentro de um estabelecimento prisional, pois embora estas instituições sejam da alçada do Ministério do Interior, podemos pedir esclarecimentos sobre o cumprimento da sanção por parte deles”, especificou.
Por outro lado, André Dambi declarou que “Aquela história de manter os indivíduos detidos na Unidade Operativa de Luanda com direito a jogarem as cartas no pátio e a irem dormir nas horas normais como se nada tivesse acontecido, é um privilégio que não pode voltar a acontecer porque todos são iguais perante a Lei e isso faz com que eles mereçam o mesmo tratamento que os outros detidos”.


De caçadores a possíveis vítimas
Ao chegarem à Comarca de Viana (ver matéria a seguir), os sete condenados permaneceram no interior da viatura por cerca de 15 minutos com medo de descerem devido às ameaças que estavam a ser proferidas pelos outros presos. Os detidos gritavam que os 24 anos que a justiça aplicou eram pouco e que deveriam ser 100.
A presença dos antigos “caçadores” de delinquentes naquele edifício despertou o interesse destes que se juntaram no corredor por onde aqueles circulavam a caminho das celas e proferiram as seguintes frases: “vão morrer, vão apanhar, polícias bandidos”.
Quanto ao facto de os réus continuarem ou não a manter vínculo laboral com o Ministério do Interior (Minint), Ildefonso Manico esclareceu que ainda não tiveram acesso ao processo disciplinar que correu os seus trâmites legais no Departamento de Inspecção desta instituição.
“Mas pela gravidade de algumas declarações, principalmente do então chefe da direcção Provincial de Investigação Criminal no Sambizanga e do ex-comandante da 9ª Esquadra da Polícia, Miguel Londa e Miguel Francisco “Meganha” respectivamente, tudo indica que foram mesmo demitidos da corporação”, explicou.
Apesar de os réus terem afirmado na audiência em que teve como declarantes o repórter da TPA Geovete Monteiro e o investigador criminal Mateus Agostinho que não lhes tinha sido prestada qualquer informação sobre o seu vínculo à coorporação, o advogado dos condenados disse que nos corredores da Polícia circulam informações que eles já foram afastados do Minint.
À semelhança do que acontece sempre que é solicitado a prestar informações a este jornal, o porta-voz do Comando Geral da Polícia Nacional, Carmo Neto, disse não saber de nada, encaminhando-nos para o Tribunal Provincial de Luanda.

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