quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Reajuste salarial provoca desânimo na Polícia

Os agentes da Polícia Nacional com menos de três anos de serviço, que foram abrangidos pelo processo de reajuste salarial realizado pelo Comando Geral, estão insatisfeitos pelo facto dos seus actuais ordenados não diferirem muito dos que recebiam na altura da recruta.
Para não serem punidos por desobediência, o Tribuna da Kianda conversou com alguns agentes na condição de anonimato.
Os polícias que terminaram o curso no dia 25 de Junho último queixam-se de não saberem o valor real dos salários, devido às constantes alterações que sofrem.
“A primeira disparidade aconteceu na altura em que nos encontrávamos a fazer a recruta na Escola de Polícia do Kikuxi, visto que enquanto uns recebiam mensalmente o subsídio de 18 mil kwanzas que tínhamos direito, os outros só vieram a receber alguns meses depois de terminarmos o curso”, explicou uma fonte, que está actualmente a funcionar no Comando Municipal do Sambizanga.
A fonte contou que faz parte do grupo de agentes que só receberam os subsídios depois de 20 meses, quando enquadrados e que não têm salário fixo.
“Houve alturas em que recebíamos 47 mil kwanzas e outras que recebemos um valor muito inferior a este. Já cheguei ao ponto de auferir 20 mil. Quando fui reclamar na área financeira, a única coisa que me disseram é que eles não são culpados, porque o erro tinha partido do Comando Geral”, frisou.
Os agentes salientaram que viram os salários reduzidos quase ao meio.
Acreditam que esta medida poderá leva-los a desenvolver uma outra actividade paralela à Policia, tendo em conta que não será possível sustentar a sua família com 25 mil kwanzas. “Para além do gosto pela farda, entrei na Polícia por causa do salário que eles pagavam, tendo em conta que trabalhava como um simples professor do curso básico de informática e auferia 200 dólares mês, mas tive que parar porque os primeiros três meses que trabalho no Sambizanga foram muito difíceis. Agora que está a ser implementado este regulamento não tenho outra opção, senão aproveitar os meus dias de folga para voltar a dar aulas para evitar que a minha família fique alguns dias sem comer”, precisou com um ar de tristeza.
O agente acrescentou que “já pensei em desertar, porque o ordenado que recebo não compensa os riscos que corro todos os dias para manter a ordem, a tranquilidade e garantir a segurança da população”. Segundo ele, “as pessoas podem não compreender, mas é duro ter que passar a noite a andar por essa cidade atrás dos infractores”.
Um outro agente, que está destacado na Brigada Auto há um ano, também viu o ordenado reduzido.
“No meu ponto de vista essa redução é um convite para extorquirmos dinheiro aos cidadãos, porque os 28 mil kwanzas que receberei, ao contrário dos 47 mil kwanzas, não chegará para pagar a renda de casa, garantir que haja comida para minha família durante todo o mês e fazer uma reserva para apanhar todos os dias táxi para ir trabalhar”, frisou com um ar incorformado.
O efectivo da Brigada Auto espera que os mais altos responsáveis da Polícia ponderem a decisão de reduzir os salários dos recém-formados, sob pena destes abandonarem a corporação nesta altura em que se precisa de um número elevado de efectivos para garantirem a segurança durante o Campeonato Africano das Nações (CAN).
“Como é aqui em Luanda onde estão todos os chefes da Polícia e do Ministério do Interior, somos obrigados a assistir esta diminuição calados sob pena de sermos castigados. Os regulamentos da corporação são muito claros e duros, aos estabelecer que as informações internas não devem ser transportada para fora do círculo policial, sem a autorização dos seus superiores, e quem assim procede deve ser punido”, disse o agente.
Alguns dos integrantes da comitiva dos 200 efectivos da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) que estiveram, em Outubro, na África do Sul, a participaram nos treinos militares que os habilitaram a reforçar o contingente militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), consideram que a desilusão começou aí. Antes de partirem para as terras de Mandela, foram informados pelos seus superiores que receberiam um subsídio, em kwanza, no valor aproximado de 12 mil dólares, mas receberam apenas 1.500 dólares.
“A nossa frustração começou lá porque antes de partirmos tivemos direito a uma cerimónia de despedida no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, mas no regresso fomos tratados como uns quaisquer e nem sequer fomos recebidos com júbilo, ao contrário dos nossos colegas dos outros países. Só para não falar no péssimo tratamento que tivemos lá”, rematou.
Na África do Sul, os efectivos da polícia angolana participaram numa demonstração real, com vários cenários e que contou com a participação de pessoal dos vários exércitos dos 11 países da SADC. Foram preparados e instruídos para intervirem em situações de manutenção de paz na região da SADC.

Inspecção aperta o cerco
Apesar de estarem revoltados com as alterações salariais e descreverem-na como uma forma indirecta que o Comando Geral terá achado para incentiva-los a extorquir os cidadãos, os nossos interlocutores atestam que terão de estudar novos métodos para ludibriarem os Inspectores do Comando Provincial de Luanda.
Segundo eles, os inspectores actuam trajados a civil e em viaturas particulares nas zonas onde se encontram destacados os agentes reguladores de trânsito, das esquadras móveis e nos locais onde estão permanentemente os efectivos da Brigada Auto.
“Eles normalmente aparecem e ficam a apreciar o nosso trabalho de forma descontraída para não chamarem a atenção, mas como já conhecemos a forma como eles actuam, procuramos agir do mesmo modo”, desvendou um regulador de trânsito, destacado na Unidade Operativa de Luanda.
O agente de trânsito disse ainda que “até um certo ponto a presença deles acaba por ser inoportuna porque nos deixam nervosos e aqueles que não estão habituados a trabalhar sobre pressão, acabam por embaraçar mais ainda o trânsito de tanto nervosismo”.
No entender da fonte de O PAÍS, será muito difícil para eles ter que escolher entre passar a multa a um automobilista que infringiu o Código de Estrada, para depois o dinheiro ser revertido ao cofre do Estado, e receber uma “gasosa” para ajudar a custear as despesas de casa.
“É preciso termos em atenção esse pormenor porque os 28 mil kwanzas que passei a ganhar não duram mais de 10 dias e não terei outra opção para evitar que os meus dois filhos fiquem os outros 20 dias sem comer”, rematou o agente de trânsito, que está na corporação há quatro anos.

Erro no Comando Geral
O porta-voz do Comando Geral da Polícia Nacional, Carmo Neto, disse a O Tribuna da Kianda que este problema surgiu de uma falha cometida pelo departamento financeiro, mas que já estava resolvida.
Carmo Neto garantiu que, neste momento, o agente que ainda estiver nesta situação deve dirigir-se à área financeira da unidade onde está destacado para receber mais informações.
“A falha já está a ser corrigida, até porque com o CAN à espreita, nós precisamos de todos os nossos efectivos e não queremos afastá-los”, concluiu o porta-voz.

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